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Toca Cultural

Em Curitiba, Caprichoso e Garantido fazem trégua pelo bem da cultura amazônica

A disputa entre os dois bois é tão grande que a ilha de Parintins é cindida em duas: de um lado, o território pertence aos azuis do Caprichoso; do outro, aos vermelhos do Garantido.

Bois de Parintins - Garantido e Caprichoso (Divulgação)


Por: Sandoval Matheus

A lendária rivalidade dos bois Caprichoso e Garantido, do Festival Folclórico de Parintins, deu uma trégua na manhã desta segunda-feira, 25, durante coletiva de imprensa na capital paranaense. As duas agremiações farão a abertura da 32ª edição do Festival de Curitiba, logo mais à noite, no Teatro Positivo.

 

No Baixo Amazonas, a disputa entre os dois bois é tão grande que a ilha de Parintins é cindida em duas: de um lado, o território pertence aos azuis do Caprichoso; do outro, aos vermelhos do Garantido. Os partidários de cada agremiação se negam até mesmo a mencionar o nome do adversário, referindo-se ao antagonista apenas como “o boi contrário”.

 

“Mas hoje, aqui em Curitiba, em respeito à nossa festa e à divulgação da nossa cultura, eu vou chamar o boi contrário pelo nome, vou chamar de Boi Garantido, sim”, contemporizou o presidente do Conselho de Artes do Boi Caprichoso, Ericky Nakanome.

 

O apresentador do Boi Garantido, Israel Paulain, devolveu a gentileza. Ele explicou que nos dias de Festival, durante a apresentação de cada boi a torcida adversária (por lá chamada de “galera”) é obrigada a ficar em completo silêncio, sob risco de perder pontos. “Mas hoje à noite, não vamos exigir isso de vocês”, garantiu Israel. “Todo mundo vai poder ficar bem livre pra brincar e festejar com a gente.”

 

O armistício tem uma razão de ser: os bois querem aproveitar uma das raras passagens pelo sul do Brasil para juntar forças em favor da divulgação da cultura do norte do país. “Muitas vezes, a cultura amazônica e os nossos bois acabam sofrendo um processo de apagamento no restante do Brasil”, reclama Ericky. “Existe essa dificuldade de se inserir no restante do país, mas a gente tem muita vontade de circular, de mostrar pro Brasil inteiro a nossa arte.”

 

“A gente representa a Amazônia brasileira, e estamos abertos para abraçar o Brasil”, completou Israel.

 

Para isso, um dos mais novos recursos dos parintinenses é a participação de Isabelle Nogueira no programa Big Brother Brasil, da Rede Globo. Isabelle ocupa a posição de cunhã-poranga do Boi Garantido, tida como a mulher mais bonita da agremiação. A visibilidade em rede nacional tem rendido frutos para o Festival de Parintins, que acontece sempre na última semana de junho.

 

“Este ano, todos os ingressos à venda se esgotaram em dez minutos. Nossa rede hoteleira já está com lotação máxima”, conta Israel. “Eu acredito que teremos o maior festival de todos os tempos.”



 

A participação de um dos destaques da cultura popular amazônica num programa de tamanha audiência foi outro fator que levou os adversários históricos a se darem mais uma colher de chá: a página oficial do Boi Caprichoso chegou a publicar uma nota de apoio a Isabelle da primeira vez que a participante foi para o paredão e ficou sob o risco de ser eliminada.

 

“Os bois chamam a atenção à nossa região, o Baixo Amazonas. Trazem pra gente um pouco de dignidade. A gente precisa ser lembrado pelo resto do Brasil”, explicou Ericky, do Caprichoso.

 

“A rivalidade é a magia do Festival. Se não tiver isso, perde o sentido. Nós respiramos isso há mais de cem anos”, diz Israel. “Dentro da arena, durante o festival, a disputa é ferrenha, mas fora a gente tem uma relação de amizade, de respeito.”

 

Temporada de Musicais

 

No Festival de Curitiba, a primeira noite de apresentação do Duelo da Amazônia será apenas para convidados, mas outras duas sessões, nos dias 26 e 27 de março, no Teatro Positivo, estão com ingressos à venda, disponíveis pelo site www.festivaldecuritiba.com.br ou na bilheteria física oficial localizada no ParkShoppingBarigüi (piso térreo).

 

A Mostra Temporada de Musicais é apresentada pelo Instituto J. Malucelli e pela Universidade Positivo.

 

E pra garantir que ninguém faça feio nas rodinhas de conversa, contamos abaixo um pouco da história da maior festa popular do norte do país.

 

1) A tradição do boi-bumbá amazônico tem origem, na verdade, em outra região do país, mais especificamente no Maranhão, onde é mais conhecido como bumba-meu-boi. A brincadeira foi levada até a ilha de Parintins no início do século 20, por trabalhadores nordestinos que migraram no auge do ciclo da borracha. Em 1913, surgiram os bois Garantido (vermelho) e Caprichoso (azul), que de início faziam apenas pequenas apresentações nas ruas da cidade. Com o tempo, o folguedo se popularizou e foi incorporando lendas e rituais indígenas.

 

2) A primeira edição do Festival de Parintins aconteceu em 1965, organizado por um grupo de amigos da Juventude Alegre Católica, para arrecadar fundos para a construção da Catedral de Nossa Senhora do Carmo, padroeira de Parintins. No primeiro ano, 22 quadrilhas (grupos de dança) se apresentaram, mas ainda sem a presença dos bois, que foram incorporados em 1966, dando início à rivalidade.

 

Em 1988 foi construído o Bumbódromo, uma arena com capacidade para cerca de 25 mil pessoas, que passou a abrigar o espetáculo.

 

3) A rivalidade entre os bois Garantido e Caprichoso é pior que Atletiba. A ilha de Parintins é dividida em duas. Hoje não há violência, mas houve um tempo em que andar de azul no território vermelho, ou de vermelho no território azul, era mais do que perigoso. O antagonismo é tão profundo que suga para o seu vórtice até símbolos universais e inabaláveis do capitalismo: Parintins é o único lugar do mundo onde as tradicionais latas vermelhas da Coca-Cola aparecem também em azul.

 

4) No Bumbódromo, a história encenada todos os anos (de maneiras diferentes) pelos bois Garantido e Caprichoso gira em torno da lenda de um casal de escravizados, Mãe Catirina e Pai Francisco. Reza o folclore que Mãe Catirina, grávida, sentiu um forte desejo de comer língua de boi, o que levou o marido a sacrificar o melhor animal do rebanho de seu senhor. Acabou jurado de morte pelo fazendeiro. Um pajé, no entanto, teria conseguido ressuscitar o boi, salvando de quebra o pescoço de Pai Francisco.

 

5) O Festival Folclórico de Parintins acontece sempre na última semana do mês de junho, dura três noites e, em 2023, movimentou quase R$ 150 milhões. No período, a população da ilha costuma dobrar – mesmo com os únicos acessos sendo de avião e de barco (nesse caso, depois de 36 horas de viagem a partir de Manaus). A cada noite, os bois são avaliados por uma comissão de nove jurados, selecionados em vários estados do Brasil.

 

O diretor teatral Luiz Antonio de Pilar já foi um desses avaliadores.

“Tudo é levado muito a sério. Os juízes ficam isolados, justamente para não serem influenciados. Mesmo assim, teve quem não gostou das minhas notas. Quando saí de lá, estava recebendo umas mensagens duras, dizendo pra nunca mais voltar." 


Informações: ANDRÉ NUNES

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